A onda

Dario Moreira
2 min readJan 9, 2021

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Houve uma noite em que tive um pesadelo.
Conduzia o meu carro por uma estrada minúscula
cercada por ondas gigantes
num desejo ardente de chegar ao fim.
Mas uma das ondas veio mais forte
e lançou o carro para fora da estrada
engolindo-me.
Entrei pelo pesadelo adentro
às cambalhotas
cheirando o sal
tocando a água gelada
e olhando os peixes
à medida que afundava.
Percebi isto:
se desceres às profundezas e olhares o céu
ele brilhará mais;
é no escuro de ti que conseguirás distinguir
a luz.
E foi depois que morri
pois assim tinha de ser,
uma morte lenta
calma.
Morri
pensando: é isto a morte?,
um vazio mais negro que a noite?,
um caminhar para lugar nenhum?,
a completa perda da noção do corpo?
Estar morto é, portanto, pensar
e não o contrário
como dizem por aí
os que nunca lá estiveram.
Mas eu estive e soube e concluí:
acaba a vida, continua o pensamento.
No entanto, foi depois do pesadelo
que veio a coisa mais estranha:
não estou certo se terei
alguma vez regressado à lucidez
ou se foi ali que fiquei.
Mas, enfim, se por acaso se confirmar que
o meu regresso não se deu
pensa que um dia voltarei
talvez carregando o mar às costas
molhando os pés das pessoas nas praias
talvez resgatado pela cana de um pescador
quem sabe
talvez transformado em rocha
concha
ou gaivota.
Pouco importa se amanhã
ou daqui a milhares de anos,
o meu desejo é voltar a ser espuma
cobertor que tapa o teu corpo sobre a cama
nas noites em que dormes
agarrada à tua solidão.

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